domingo, 4 de abril de 2010

O Trovadorismo em Portugal

Na Europa da idade Média, a produção literária permaneceu fortemente vinculada à vida religiosa. Padres e monges estudavam os textos sagrados e traduziam as obras de filósofos (Aristóteles e Platão, por exemplo). Imperava o latim. Essa forte influência da religião marcou a cultura da Idade Média com uma visão teocêntrica do mundo, levando o homem à completa submissão às normas da igreja católica, representante única e exclusiva de Deus na Terra.

A servidão a Deus explica um dos principios fundamentais da literatura medieval: a total submissão do trovador à sua dama (na poesia) ou do cavaleiro à donzela (nas novelas de cavalaria).

A literatura medieval portuguesa tem sua origem no século XII, em Provença, sul da França. A riqueza linguística e o desenvolvimento econômico da região deram origem a uma literatura singela e agradável, caracteristicamente ingênua e sentimental, ponteada por apelos amorosos, paixões não correspondidas e até mesmo sátiras.

Seus principais representantes eram os trovadores (quaser sempre nobres que faziam trovas, composições que aliavam a poesia à musica), os segréis (espécie de trovadores profissionais, pagos para compor seus trabalhos) e os jograis (declamadores de trovas alherias).

No Trovadorismo, musica e poesia complementam-se, o que explica a designação de cantigas, dada a muitas cirações literárias de época.


CANTIGA DE AMIGO

Na época do trovadorismo, todas as composições eram feitas por homens, porém, o eu lirico era feminino. A mulher era o tema dessa poesia, aparecendo representada pela moça ingênua, casadoira, que se queixava - à própria mãe, a uma amiga ou à natureza - das saudades que sentia do amigo (namorado) que partira para a guerra. Observe o exemplo a seguir:


- Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
ai, Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs comigo?
ai, Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que me á jurado?
ai, Deus, e u é?


D. Dinis


A cantiga apresentada foi composta por d. Dinis, considerado o melhor trovador Português. Constitui um tipo de cantiga de amigo denominada paralelistica, de concepção genuinamente portuguesa. A técnica consiste em repetir a ideia central em duas séries de estrofes paralelas, ou seja, mudando-se apenas a última palavra de cada verso.


- Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
[...]
Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
[...]


OBESERVAÇÃO

D. Dinis foi rei de Portugal entre 1261 e 1291. Deixou quase 140 composições, entre cantigas de amor, de amigo e de maldizer. Fundou a Universidade de Lisboa e foi um dos maiores protetores das letra e dos artistas de Portugal.


Outras formas de cantigas de amigo são as albas (cantigas que saúdam o nascer do sol), as serenas (que louvam o poente), as barcarolas (cuja temática são os dramas do mar), as bailias ou bailadas (cantigas próprias para as danças) e as romarias (apropriadas para comemorações religiosas).


CANTIGA DE AMOR

De procedência provençal, a cantiga de amor retrata a vida da corte, o que lhe confere um ar refinado e culto. Tipicamente urbana, tem sua temática centralizada na coita d'amor, ou seja, o sofrimento de um homem pelo amor não correspondido de uma mulher. Portanto, o eu lírico é masculino.

Trata-se de um drama altamente passional, em que o homem muitas vezes se posiciona como o vassalo da mulher amada, que se torna impiedosa, com suas negativas constantes. A inacessibilidade permite a idealização da mulher amada, objeto do desejo tornado impossivel.

O texto a seguir é a Cantiga da ribeirinha, considerada a primeira obra em lingua portuguesa, datada de 1189 (ou 1198). Trata-se de uma cantiga de amor dirigida a Maria Paes Ribeiro, a "Ribeirinha", amante de d. Sancho I.


No mundo non me sei parelha,
mentre me for como me vai,
ca já moiro por vós - e ai!
mia senhor braca e vermelha,
queredes que vos retraia
quando vos eu vi en saia!
Mau dia me levantei,
que vos enton non vi fea!

E, mai senhor, dês aquel di', ai!
me foi ami mui mal,
a vós filha de don Paai
Moniz, e ben vos semelha
d'haver eu por vós guarvaia,
pois eu, mia senhor, d'alfaia
nunca de vós houve nen hei
valia d'ua correa.

Paio Soares de Traveirós



CANTIGAS DE ESCÁRNIO E MALDIZER

As cantigas de escárni e maldizer são satíricas e diferem-se em soi aspectos:

  • A cantiga de escárnio faz uma crítica indireta, de forma irônica, sem aludir ao nome da pessoa criticada; a terminologia é elegante e discreta; a crítica é subentendida.
  • Na cantiga de maldizer, o criticado é citdo literalmente, e a terminologia é deselegante, de baixo calão; os palavrões são constantes; os criticados são nobres decadentes, mulheres de vida duvidosa, e assim por diante.
Ai dona fea! foste-vos queixar
porque vos nunca nouv'en meu trobar
mais ora quero fazer un cantar
en que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!

Ai dona fea, se Deus me perdon!
e pois havedes tanto gran coraçon
que vos eu loe en esta razon,
vos quero já loar toda via;
e vedes qual será a loaçon:
dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei
en meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já un bon cantar farei
en que vos loarei toda via;
e direi-vos como vos loarei;
dona fea, velha e sandia!


João Garcia de Guilhade



Martim jogral, que defeita,
sempre convosco se deita
vossa mulher!
Vedes-me andar suspirando;
e vós deitado, gozando
vossa mulher!
do meu mal não vos doeis;
morro eu e vós fodeis
vossa mulher!



João Garcia de Guilhade

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